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09/10/2019

Esperei por ti a vida toda

Meu amor

    Esperei por ti a vida toda sem saber que já te conhecia. Mal sabia eu que o universo cozinhava o nosso reencontro passados 20 anos.

    Hoje ao pensar no privilégio que tenho em poder partilhar a vida contigo, os olhos marejam e o sorriso desenha-se porque sei que juntos ainda temos tanto para viver. Reconheço-te na loucura e tenho a certeza que nos continuaremos a escolher assim mais loucos que banais.
  Talvez ainda não existam palavras para agradecer: a paciência que tens para as minhas infantilidades, a forma doce com que me abraças, o esforço gigante quando te peço para dançarmos, a coragem com que te atiraste de cabeça para esta vida a dois e a forma descomplicada como me amas.

     Gosto tanto da forma com que falas com os nossos sobrinhos, o tio que só diz disparates. Encanto-me, e confesso, encanta-me mais um pouco todos os dias, a forma como os teus amigos te procuram e encontram em ti uma âncora segura onde podem descansar. 

   É bonita a nossa história, a nossa casa, os nossos animais, a nossa vida! E eu gosto tanto de descobrir que ao contrário do que pensava eu consigo: viver fora de Lisboa, conviver diariamente com cão e gato e pôr-me à prova todos os dias (e o que já consegui superar contigo!).

     É tão doce, tão certa, tão nossa esta história que ousamos escrever todos os dias.

Obrigada por tanto na minha vida meu amor.


29/04/2019

Olhos verdes? Plantas a crescer dentro de mim?

Esconderam-me o coração.
Algures entre os pulmões... Deve ser por isso que é tão difícil respirar.

Esconderam-me o coração.
Por entre heras de outros tempos, sei que está por ali mas não sei como lá chegar.
Não tenho plantas a crescer dentro de mim?
Ou terei de chamar um botânico para confirmar?

Esconderam-me o coração.
Ainda assim sei que ele bate baixinho. Sobrevivendo à vida tantas vezes sem se queixar.

Esconderam-me o coração.
Mas eu oiço-o gritar e rir, às vezes num abraço, quando dois corações se juntam e dançam num momento tão pequeno mas tão intemporal.

Esconderam-me o coração.
E talvez só agora o queira encontrar, só agora o saiba estimar... Só agora eu possa brincar.

Coração, pronto ou não, aqui vou eu!

11/04/2019

Porque hoje é quinta

Vem à Quinta-feira de Filipa Leal.


"Vem à Quinta-feira.


É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja

ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris

for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães

assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.


Vem à Quinta-feira.


A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,

e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare

de acabar tão depressa.


Vem à Quinta-feira.

Mas não venhas nesta, vem na próxima.

Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso

profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos

a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo

para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,

para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.


Vem à Quinta-feira e não te demores.

Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista

(sabes como gosto de pensar em tudo

ao mesmo tempo)

e afinal o que me falta fazer contigo

não é caro:

- viajar de auto-caravana,

- dançar pela Estrada Nacional,

- ver-te chorar.

Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.


Vem à Quinta-feira.


Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.

Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,

eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.

Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.

Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.

Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor

- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.


Temos ainda tanto para fazer.

Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta."

28/03/2019

Teatro

Antes do meu despertar para o teatro, os meus mestres já lá estavam. Tinham construído as suas casas e as suas poéticas sobre os vestígios das suas próprias vidas. Muitos deles não são conhecidos ou ninguém os recorda: trabalharam a partir do silêncio, na humildade das suas salas de ensaios e dos seus teatros cheios de espectadores e lentamente, após anos de trabalho e feitos extraordinários, foram deixando o seu lugar e desapareceram. Quando percebi que o meu ofício e o meu próprio destino seria seguir os seus passos, entendi também que herdava deles essa tradição fascinante e única de viver o presente sem outra expectativa que alcançar a transparência de um momento irrepetível. Um momento de encontro com o outro na penumbra de um teatro, sem mais protecção do que a verdade de um gesto, de uma palavra reveladora.
O meu país teatral são esses momentos de encontro com os espectadores que, noite após noite, entram na nossa sala, vindos dos cantos mais distantes da minha cidade para nos acompanhar e partilharmos umas horas, uns minutos. Com esses momentos únicos construo a minha vida, deixo de ser eu, de sofrer as minhas dores e renasço e compreendo o significado do ofício de fazer teatro: viver instantes de pura verdade efémera, onde sabemos que o que dizemos e fazemos, ali, sob a luz dos projectores, é verdadeiro e reflecte o mais profundo e o mais pessoal de nós próprios. O meu país teatral, o meu e o dos meus actores, é um país tecido desses momentos onde abandonamos as máscaras, a retórica, o medo de ser quem somos e nos damos as mãos na penumbra.
A tradição do teatro é horizontal. Não há quem possa afirmar que o teatro está em algum centro do mundo, em alguma cidade, em algum edifício privilegiado. O teatro, tal como eu o recebi, espraia-se por uma geografia invisível que entretece as vidas dos que o fazem e o ofício teatral num mesmo gesto unificador. Quando morrem, todos os mestres do teatro levam consigo esses momentos de lucidez e de beleza irrepetíveis; todos desaparecem do mesmo modo sem deixar outra transcendência que os ampare ou faça ilustres. Os mestres do teatro sabem-no, não há reconhecimento que valha perante esta certeza que é a raiz do nosso trabalho: criar momentos de verdade, de ambiguidade, de força, de liberdade na maior das precaridades. Deles não sobreviverão senão dados ou registos de trabalhos em vídeo e fotografias que recolheram apenas uma pálida ideia do que fizeram. Faltará sempre nesses registos a resposta silenciosa do público que entende num instante que o que ali se passa não tem tradução possível nem se encontra fora de cada um, que a verdade que ali se partilha constitui uma experiência de vida, por segundos mais diáfana do que a própria vida.
Quando compreendi que o teatro é, em si mesmo, um país, um território que abarca o mundo inteiro, nasceu em mim uma decisão que é também uma liberdade: não tens de te afastar ou mover-te do sítio onde te encontras, não tens de correr ou mudar de local. Aí, no ponto em que existes, está o público. Aí, tens a teu lado os companheiros de que necessitas. Ali, fora da tua casa, está toda a realidade quotidiana, opaca e impenetrável. Trabalhas então a partir dessa aparente imobilidade para construir a maior das viagens, para repetir a Odisseia, a viagem dos argonautas: és um viajante imóvel que não cessa de acelerar a densidade e a rigidez do teu mundo real. A tua viagem ruma ao instante, ao momento, ao irrepetível encontro face aos teus semelhantes. Viajas ao seu encontro, rumo ao seu coração, à sua subjectividade. Viajas por dentro deles, das suas emoções, das suas memórias que despertas e agitas. É vertiginosa e ninguém pode medi-la ou calá-la. Também ninguém poderá reconhecê-la na sua justa medida, é uma viagem através do imaginário da tua gente, uma semente que se semeia no mais remoto dos terrenos: a consciência cívica, ética e humana dos teus espectadores. Por tudo isto, não me movo, continuo em minha casa, entre os que me são próximos, numa aparente quietude, trabalhando dia e noite, porque tenho o segredo da velocidade.

Nada a acrescentar. A não ser: Vão ao teatro! Onde quer que estejam. Com quem estejam. A vida a acontecer e no pensamento, ver espetáculos! Sempre que possível! Só assim conheceremos a nossa geografia interior.


26/02/2019

Espero-te

Espero-te, na estação de Sete Rios, como quem espera um comboio. Um comboio não anunciado que dará entrada na linha número 1 e me apanhará de surpresa.

Espero-te, na esperança vã que me tragas as respostas às perguntas que te faço baixinho.

Espero-te, de telemóvel na mão, na procura de alguma coisa para me entreter... Ainda demoras?

Espero-te, a bater o pé no chão, as pernas a tremer e o coração aos pulos. Sei que deves estar a chegar...

Espero-te, mas a verdade é que vais chegando todos os dias mais um bocadinho.

Espero-te, sem bilhete, sem destino, mas disposta a viajar.

Não sei porque te espero, se tudo me diz que não é preciso esperar, basta pôr-me a caminho.

Vejo-te ao fundo, com passo seguro e sorriso no olhar.

Lúcia, és tu?

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